10 outubro 2010

Um cara normal...



Um dia acordei, e nesse dia decidi mudar tudo...
Dia interessante de outono. Cansado de festas e bebidas, cigarros que causavam ressaca ao acordar no outro dia, pessoas desinteressadas pela vida.
Uma pedalada na floresta sería excepcional e revigorante. Na cidade que moro temos uma floresta perto de casa. Amo bicicletas e o mato. Aquele frescor que sente ao pedalar em uma alameda, sentindo o ventinho gostoso de outono. O que pode haver de tão diferente em uma pedalada...
Algumas vezes o curso das coisas muda completamente...
Numa voltinha dessas nos deparamos com a mais completa alteração de nossos sentimentos, pensamentos, expectativas... Algumas coisas passam a ser destruídas em detrimento de tudo que aparece nesse momento. Nessa reviravolta.
Mudanças são importantes na vida de qualquer ser humano, e é claro que sempre são irreversíveis. Questiono-me grandemente acerca da “irreversibilidade” dos momentos, não é interessante como podemos escolher e definir o que faremos, mas, incrivelmente, as conseqüências nem sempre... E dessa maneira se tornam fantasmas irreversíveis em nossas vidas. Nos resta apenas determinar (ou querer pelo menos) como nosso comportamento deve seguir adiante.
Esse ponto da linha temporal não se trata basicamente da mudança em minha vida, ela mudou obviamente, mas a mudança foi gradual, natural e sem traumas. Acredito que essas mudanças devam ser policiadas, são decisões das mais importantes e merecem a mais completa atenção sobre elas, pelas consequências. O início não surge nesse momento da pedalada... Surge com as conseqüências futuras da pedalada.
Conhecer alguém durante um caminho é realmente apaixonante, ainda mais se a pessoa for apaixonante. Se houver uma ânsia estúpida em ser alçado da sua realidade e começar a vislumbrar aquelas aspirações que você sempre tem medo de contar aos amigos quando exagera no álcool. Construtivo não é conhecer alguém apenas, é perder, ter que avaliar tudo, discorrer durante o convívio...
Apaixonamo-nos nessa fatídica pedalada e dias extraordinários seguiram-se desde então...
Sabe aquelas coincidências da vida que teimamos em dizer a nós mesmos serem linhas precisas de encontro... Obviamente aconteceram. A identificação era absolutamente plena, em todos os aspectos que pode haver em uma singela conversa durante uma pedalada. A conversa não acontece mais de maneira inocente, vem impregnada de todo interesse sexual e social humano misturados em um liquidificador, e normalmente acontece justamente com quem nunca leu o manual de instruções dele, e nem sequer imagina como funciona.
Imagine com uma orientação sexual distorcida pelos critérios sociais históricos e dogmáticos. Foi uma linda história de amor homossexual. Apaixonamos-nos... Esse foi o primeiro ponto. Interessante analisar a proposta da mudança em minha vida e a pseudo-concretização no mesmo dia.
Seguiram-se jantares envolvidos por inúmeras coincidências que indicariam o destino imaginário já traçado (claro). Um mês de cafés e jantares, conversas ao telefone, abraços e olhares inexplicáveis. Alterações de rotina sem explicação. Enfim... aconteceu um beijo. E Nesse momento a escolha mútua que misturava alegria e emoção. Nunca havia me deparado com uma situação real nesse sentido. Não que tenha sido piegas com lágrimas nos olhos, um beijo normal, desajeitado como todo primeiro beijo, em um lugar espetacular sim, mas um primeiro beijo típico. Momento lindo.
Nossa relação de amor passou a ser tão intensa que a etimologia dessa palavra passou a banalizar o sentimento, tamanho era. Não citávamos esse nome pequeno para nossa condição, nosso encontro. Nossa expressão vinha dos olhos e da pele, da alma eu diria. Como isso me causa uma tristeza velada nos dias de hoje.
Vieram-se problemas corriqueiros ao longo do tempo. Família. A família dele, e direi o nome fictício para ele: Felipe. Acho importante deixar claro desde o início que a família dele não tem culpa nenhuma a meu ver, a culpa é individual... Não se pode culpar uma série de fatores estatísticos que compõem uma história. Mas era um problema. Sua família extremamente retrógrada e tapada para a homossexualidade de um filho... Famílias assim deveriam ser impedidas do direito de criar um ser humano pela impossibilidade de amar, pelo seu julgamento sem precedente. Mais uma vez não os culpo... Falo de um comportamento inadequado para seres humanos que decidiram um dia ter filhos.
Esses valores familiares foram concretizados no intelecto do Felipe durante nossa história. Sempre pensamos de maneira muito parecida. Mas eu nunca enfrentei o julgamento familiar. O medo o abateu de maneira tão intensa... Vieram as questões religiosas decorrentes do processo. Colocamos um ponto final na história mais importante de nossas vidas.
Aí se tem o início de tudo.
Deparei-me com um sofrimento inimaginável em todas as projeções que já havia feito ou visto. Constatei como nos distanciamos de amigos em prol de um sentimento... Sonho... Expectativa... Não sei. “Alguém” talvez seja o mais apropriado. Mas é importante relatar que não era alguém, é minha expectativa de algo perfeito (utópico), a minha idéia de alguém, o meu resgate.
Foi um ano de sentimentos velados, uma tentativa estúpida de amizade, impossível. Nossa afinidade consiste em uma relação de amor, mencionei o quão ínfimo era essa palavra pra definir nosso contato. Conseqüentemente não seríamos amigos nunca, apesar da tentativa por mais de um ano após o “fim”.

Um pouco sobre mim

Sou um jovem absolutamente normal, vinte e alguns anos, universitário, bonito, inteligente. Universidade integral e trabalho com gastronomia à noite. Venho de uma família pobre, que possibilitou que eu estudasse e nunca fosse julgado pelo que tenho intrínseco em minha existência. Estudei tudo o que pude durante todos os momentos da minha vida. Nunca me importei com namoros, mesmo sem o julgamento eu desenvolvi um respeito pelos meus pais. Não sou pai... Mas imagino que deva realmente ser um tanto quanto difícil assistir a evolução de um Ser, para o qual você inevitavelmente criou projeções. Preocupei-me em ser um homem normal. Em cuidar da minha própria vida, em não ser um fardo para ninguém. Em fazer o que deveria e gostaria da vida. Em ser livre.
Peço desculpa pelas atemporalidades ao falar sobre mim, e adianto que me utilizarei dela em todos os momentos. Em um passeio pelo centro da cidade me deparei com a casa de um “ex” recente, e ele adquiriu então uma configuração de passado muito distante, ao passo que o passado inicialmente relatado adquire conotação praticamente de presente. Não gosto de temporalidades, gosto do efeito das coisas, e não da linearidade da história, mesmo porque essa linha só acontece com fatos específicos, e esses nunca são todos relatados, sempre se vale uma nova explanação.
Comecei a me relacionar com homens na faculdade. Como qualquer adolescente, embora tivesse 20 anos. Muito maduro para diversos pontos da vida, um adolescente para as relações afetivas desse nível.
Viso as situações tirando o máximo que posso delas... Observando e lendo o momento de acordo com tudo que posso absorver. Diria que aprendi muito com isso, e conseqüentemente o processo foi rápido pra mim.

Voltando ao início

Iniciei a psicanálise por indicação de uma amiga logo após o término desse namoro. Esse momento corresponde ao início maior (podemos ter vários inícios se observarmos, a existência é algo dinâmico e merece essa perspectiva). Surge nesse momento esse blog, ou diário virtual sobre mim. Levantei hoje ao meio dia... Sem grandes novidades. Tomei um xícara de café e acendi um cigarro. Notei uma goiaba na goiabeira do meu quintal. Moro nessa casa há três anos e nunca comi uma goiaba dessa árvore. Minha mãe me perguntou isso há dois meses, eu nem liguei para a pergunta. Mas hoje comi. Senti um sabor nostálgico da criação no sítio da minha avó, em meio aos meus primos. Voltaram algumas idéias de futuro que fazia na época da infância, e veio logo o julgamento de como superei minhas expectativas. Isso me deu orgulho, mas um orgulho interessante, sério, austero!
Nesse ponto decidi escrever sobre mim. Um homem normal, aos vinte e cinco anos, que mora sozinho, extremamente livre, que gosta de homens, e que não concorda com os valores vigentes no mundo atualmente. Que acredita que a maior militância homossexual vem a ser uma vida completamente normal, executando com verdade suas propostas, trabalhando muito e estudando ao máximo. Esperando algumas coisas a mais, mais uma vez “alguém”. Escrever sobre minhas explanações, meus momentos. Enfim... Sobre o que fazer com a minha liberdade, como reagir sendo um ser-humano simples, que também é homossexual, em meio à modernidade que vivemos no século 21.
Hoje é dia 10 de outubro de 2010. Olá a todos!