14 janeiro 2011

Demissão

Sempre me senti atraído pela gastronomia, lembro-me de certa vez quando meu irmão (cinco anos mais velho que eu) explicitou sua indignação por eu não ter escolhido esse curso na faculdade. Meu histórico de faculdades foi um tanto quanto intrigante. Saí do colégio e fui estudar física em uma excelente faculdade pública. Lembro-me que senti a maior angústia, até então, por estar saindo de casa, uma sensação de abandonar meus pais, mostrando a minha crueldade. Não me identifiquei com o curso, ou talvez com o fato de ter que estudar umas cinco disciplinas de cálculo com nomes diferentes, e abandonei a faculdade no primeiro semestre.
Voltei a morar com meus pais. Arrisquei arquitetura na UNICAMP nessa época, mas não obtive muito sucesso na segunda fase do vestibular, havia me divertido demais numa virada na praia com meus amigos, sem perceber que deveria estudar.
Um tempo depois comecei a refletir silenciosamente sobre um curso na área das ciências biológicas, foi quando comprando sapatos em uma loja encontrei com a mãe de uma amiga, a qual afirmou durante nossa conversa que eu tinha o perfil dessa área, e minha mãe concordava com ela. Sempre tive muita facilidade nessa área. Minha decisão se configurou nesse ponto, numa loja de sapatos, na cidade de Itapira, unicamente por um fator estatístico, comum e banal. É muito interessante entender em quais curvas acontecem as mudanças.
Estava longe do colégio, apenas estudando por conta própria, há três anos e com poucas perspectivas de obter uma boa classificação no vestibular. Para minha extrema surpresa, eu entrei para o curso de biologia na UNESP. Foi como me senti liberto de uma realidade, a qual de alguma maneira eu sabia desde pequeno que mudaria. Dói-me a lembrança de minha mãe chorando no portão de nossa casa enquanto eu me mudava ouvindo Elis Regina... “Como nossos pais”.
Apaixonado pelo meu novo curso, morando em outra cidade a mais de um ano, fiquei sem dinheiro e devendo ao banco (isso sempre acontece quando dão limite de crédito especial e cartão de crédito para universitários). Decidi procurar emprego, queria fazer uns bicos pra levantar um dinheiro extra. Só consegui emprego em um restaurante árabe, como funcionário fixo à noite, porque minha faculdade era integral. Aprendi o que pude desse tipo de comida, a qual nunca havia tido contato. Trabalhava de segunda a segunda com uma folga semanal (nunca em quinta, sexta ou sábado) e um domingo ao mês. Fiquei sabendo de um novo emprego em um restaurante japonês da cidade, com salário melhor, mais fino, e com uma escala de folga que me dava direito a folgar em sábados e sextas feiras. Mudei de emprego da noite pro dia, meu antigo patrão não ficou muito feliz, mas eu estava.
Apaixonei-me pela gastronomia japonesa. Dediquei-me tanto, que abandonei a faculdade para aprender o máximo, exatamente no momento em que estava vislumbrado com o namoro novo, com uma nova visão de sucesso profissional. Fiz um árduo treinamento para me tornar cozinheiro, em seguida sushiman, e em seguida adicionado à gerência do restaurante mais respeitado da cidade.
Foi nesse meio de caminho que meu namoro ruiu. Enterrei-me mais do que nunca no trabalho, das nove da manhã até a uma da manhã seguinte. Tentava continuar estudando, mas minha agenda era tão apertada que isso era impossível. Acumulei uma boa quantidade de reprovações na faculdade.
Com a psicanálise comecei a questionar todos os pontos possíveis da minha vida.
Um belo dia, recebi uma proposta de sociedade de um de meus patrões, na tentativa de excluir o outro sócio da época. Aceitei feliz. Passando-se os dias notei o quanto me prenderia nesse ramo, o quanto isso me privava de outras experiências, o meu desgaste unicamente por dinheiro e sucesso baseado em uma cidadezinha que abrigava o meu ego ferido no término de uma relação. Eu estava me tornando meu ex.
Aconteceu um desentendimento libertador em maio de 2010. Fiquei tão bravo com um garçom que avisei a todos que terminaria essa noite de trabalho e me demitia logo em seguida. Decorreu de um surto meu com a confusão da venda do restaurante e o sigilo absurdo decorrente dessas maracutaias empresariais. Duvidaram de minha saída “apoteótica” como definiram alguns amigos meus, mas eles se enganaram.
Lembro-me da sensação de liberdade, do entardecer agradável, dos passeios noturnos que eu já havia esquecido, das pedaladas, dos jantares e conversas deliciosas com amigos, de participar novamente de um convívio social ao invés de prestar serviço a ele.
Entendi como a “cristalização” das situações me deixa entediado e acabam com minhas projeções, fazendo com que eu deixe de me sentir livre, de ter orgasmos com o imprevisível, de ser e viver uma vida sem premeditações.
Nossa vida pessoal absolutamente norteia a profissional, e a profissional nos leva a alterar a pessoal. Até que ponto uma altera a outra... Até que ponto elas se separam... Existe a separação... Sempre há uma escolha. São sempre escolhas a partir daí.
Nunca foi tão bom voltar a estudar as disciplinas mais entediantes!

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